Por Rodrigo Siqueira
Jornalista, músico e entusiasta do tiro esportivo
Nos últimos anos, o debate sobre o direito ao armamento no Brasil deixou de ser uma questão técnica e passou a ser tratado como um ativo eleitoral. O movimento que, no início, era sustentado por argumentos legítimos sobre segurança e liberdade, acabou sendo capturado pela política partidária. O que se via como uma defesa do direito de autodefesa virou um dos principais temas das campanhas eleitorais, utilizado para conquistar votos e polarizar a sociedade.
O movimento pró-armas surgiu com um foco claro: garantir que o cidadão tivesse o direito de se defender, especialmente em um país com altos índices de violência. Em 2005, o referendo sobre a proibição das armas mostrou que uma parcela significativa da população era contrária ao desarmamento. Desde então, grupos civis, especialmente de caçadores, atiradores e colecionadores (CACs), começaram a se organizar para defender o direito à posse e ao porte de armas.
À medida que o debate sobre armas foi ganhando força, políticos começaram a perceber o potencial da causa. Em vez de se concentrar em soluções técnicas e concretas para a segurança pública, muitos viram uma oportunidade de usar o direito ao armamento como uma bandeira eleitoral. A partir de 2016 e com mais força nas eleições de 2018, uma nova geração de candidatos se apresentou como defensores do cidadão armado. A pauta das armas passou a ser convertida em uma plataforma de campanha, com a criação da “bancada da bala” no Congresso, um grupo informal de parlamentares que usou a questão para angariar apoio e votos.
O problema é que, com a entrada dos políticos, a causa foi distorcida. O debate foi simplificado, transformado em slogans e promessas de efeito, em vez de ser tratado de maneira técnica e responsável. O discurso sobre o direito ao armamento, que inicialmente se centrava na liberdade individual e na legítima defesa, começou a ser usado para dividir e atacar adversários políticos, enquanto a segurança pública continuava a ser um problema sem solução.
A entrada da política eleitoral no movimento causou uma simplificação do debate. Em vez de se aprofundar nas questões complexas de segurança pública e no impacto real do armamento civil, o movimento passou a ser tratado como um produto de marketing. Frases como “bandido bom é bandido morto” e “meu corpo, minhas regras, minha arma” passaram a ser usadas como slogans, ignorando as realidades complexas da violência no Brasil.
Essa redução do debate ao campo da polarização ideológica prejudicou a causa. O direito à autodefesa, em vez de ser discutido como um direito civil legítimo, foi transformado em um tema para dividir eleitores. A causa se distorceu de um debate sobre cidadania para uma guerra cultural.
Uma vez eleitos, muitos dos políticos que se apresentaram como defensores do armamento não cumpriram as promessas feitas durante a campanha. Embora alguns decretos e medidas provisórias tenham sido adotados, as mudanças concretas foram limitadas. A promessa de um acesso mais amplo e facilitado às armas não se concretizou, e a maioria dos avanços foram pontuais e frágeis. A mobilização gerada pela política eleitoral acabou não se traduzindo em mudanças reais.
Essa frustração é sentida por muitos defensores do movimento, que veem a causa como um instrumento de conquista eleitoral, mas não como uma prioridade de ação política. O movimento, que antes lutava por um direito legítimo, agora se vê refém das disputas políticas.
Ao longo desse processo, o movimento pró-armas se transformou em uma correia de transmissão eleitoral. Muitos ativistas se tornaram cabos eleitorais de candidatos, e os clubes de tiro se tornaram palanques improvisados. Em vez de pautar o debate, o movimento passou a depender da política para se manter relevante, e a causa foi reduzida a uma peça do jogo eleitoral.
Essa captura tem consequências graves para o movimento. Ao se submeter à política partidária, o movimento perde sua autonomia e enfraquece sua capacidade de diálogo com outros setores da sociedade. Além disso, ao transformar a causa em uma plataforma de marketing, o movimento perde a profundidade e a seriedade necessárias para tratar de um direito tão importante.
O movimento pró-armas precisa retomar sua autonomia. Não é que se deva abandonar o debate político, mas é essencial que o movimento seja conduzido por seus próprios princípios, não pela agenda eleitoral. A causa deve ser tratada como um direito civil legítimo, discutido de forma técnica e responsável, sem cair nas armadilhas da polarização. Para isso, é necessário que o movimento volte a ser uma voz independente, que dialogue com a sociedade e com as autoridades de forma construtiva.
A luta pelo direito ao armamento não pode ser uma peça de marketing eleitoral. Ela deve ser um debate sobre segurança pública, liberdade individual e cidadania, longe das distorções ideológicas e das promessas vazias. Só assim o movimento poderá reconquistar a confiança da sociedade e alcançar seus objetivos reais.
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